Os desafios da autopublicação
Henry Alfred Bugalho é um autor independente que conseguiu a façanha de publicar vários livros por conta própria e fazer de um deles, o guia de viagens Nova York para mãos-de-vaca, um sucesso de vendas. Inteligente e articulado, ele comanda ainda a revista literária Samizdat.
Veja o que Henry tem a partilhar – com generosidade – sobre a experiência de se autopublicar em tempos de e-books e blogs.
Frustrações iniciais
Assim como a maioria dos escritores, o meu sonho também já foi o de ser publicado comercialmente. Ao concluir o meu segundo romance, “O Rei dos Judeus”, perfiz a via crucis do autor iniciante: imprimi suas 200 páginas, tirei 3 fotocópias, pus num envelope e mandei para quatro editoras.
Três responderam rapidamente, recusando o original. Uma delas conseguiu a proeza de responder-me em uma semana, ou seja, das 200 páginas, não devem ter lido nem dez. Por sua vez, outra demorou onze meses para enviar uma resposta, igualmente negativa.
As rejeições, que para alguns autores podem chegar às centenas, fazem parte desta etapa inicial de inserção no mercado. Daquele momento em diante, confesso que fiquei um pouco descrente com a possibilidade de ser “descoberto” em meio a outros milhares de autores que, como eu, também enviavam seus livros para serem avaliados.
Aliás, até hoje duvido que a leitura de manuscritos seja o principal processo de seleção de novos autores; pode até acontecer, mas as chances devem ser muito pequenas para valer a pena o tempo e o dinheiro investidos.
O que me restava então?
Eu mesmo publicar meus livros. Fiz orçamentos com várias gráficas, mas o custo era surreal. Naquela época, para uma tiragem de mil exemplares, seria necessário desembolsar três mil reais. Convenhamos que, para um investimento sem perspectivas de retorno, isto é queimar dinheiro.
Seria necessário vender 100 livros a R$ 30 para recuperar o dinheiro gasto. Para um autor iniciante, vender 100 livros é tão insólito quanto vender 100 mil. Se ninguém conhece o seu talento, ninguém se interessará em conhecer; é o ciclo oposto do sucesso, no qual quem vende mais vende mais porque vende mais.
Excluídas as duas opções mais óbvias, restou-me dedicar ao que me parecia ser o mais promissor: o blog.
A internet como forma de autopublicação
Publicar significa “tornar público”. Neste sentido, pouca diferença faz em ter um livro publicado, um blog, ou um distribuir na esquina os textos impressos em folha sulfite; tudo isto são formas de publicação, de tornar público o seu trabalho literário.
Poucos autores darão valor a outras formas de publicação se desconsiderarem o princípio básico da literatura – ser lido por alguém.
A existência do “escritor profissional” é recente, resultado da revolução burguesa e da industrial, e também da massificação cultural do século XXI, e aparentemente terá vida breve, se depender da internet.
Por isto que o retorno a uma escrita descompromissada, livre da necessidade monetária, me atraiu. Através de um blog, eu poderia tornar público meus textos – contos, crônicas, críticas cinematográficas – sem a mínima necessidade de me enquadrar em parâmetros mercadológicos, sem o compromisso de produzir algo vendável.
No entanto, o número de leitores era relativamente pequeno, isto até 2007.
Ficção versus não-ficção
Sempre ouvi relatos de que obras de não-ficção costumam fazer mais sucesso do que ficção. As razões para isto me parecem evidentes: vivemos numa era utilitária, tudo precisa ter uma serventia, o conhecimento precisa ser aplicado em alguma função.
Em 2007, criei o blog “Nova York para Mãos-de-Vaca”, para falar de coisas baratas na cidade. De maneira espontânea e inusitada, o blog se tornou um sucesso e, um ano depois, virou um livro.
Nenhuma outra obra literária minha chegou nem perto da repercussão deste blog, nem antes e, por enquanto, nem depois.
Foi mais ou menos nesta período que conheci o esquema de publicação sob demanda, que caiu como uma luva para minhas necessidades como autor. Neste sistema, não há estoques, não há tiragens iniciais, não há gasto algum para o autor. Simplesmente, o leitor acessa o site, encomenda o livro, a editora imprime e manda pelo correio para a casa do comprador. Melhor, impossível!
Para minha surpresa, em pouquíssimo tempo vendemos alguns milhares de exemplares, apesar de quase todo o conteúdo do livro estar disponível de graça no blog, sendo que a maior parte das vendas havia sido de livros digitais (e-books).
Enfim, em 2010, pude realizar o meu sonho de viver exclusivamente da escrita e, mais do que isto, poder pagar do meu próprio bolsos as viagens para os futuros guias de viagem.
“Se houve tanta procura, não teria sido melhor tê-lo publicado por uma editora comercial?”, você me pergunta.
Talvez, e até houve editor que se mostrou interessado. Todavia, numa editora comercial, o autor ganha 10% do preço de capa, ou seja, se um livro custa 30 reais, o autor ganha 3 reais, sendo que o restante do valor se esvai na distribuição, para a livraria e para a editora.
Já no caso do autor independente, e este é o meu caso, o lucro inteiro é meu, já que fui eu quem preparou a diagramação do livro e sou eu quem negocia diretamente com o comprador. O e-book do guia é vendido a um preço razoável, muito mais barato do que guias publicados por grandes editoras, mas, mesmo assim, para ter o mesmo lucro por uma editora comercial, eu precisaria vender três vezes mais.
Se hoje estou chegando na casa de seis mil exemplares vendidos, teria de ter vendido quase vinte mil livros para obter o mesmo rendimento, e ambos volumes são bastante expressivos no mercado brasileiro.
Por fim, ao estar à frente da publicação, fica a meu critério quando atualizar o livro, quando aumentar ou reduzir o preço, quanto do conteúdo eu posso distribuir gratuitamente, ou seja, tudo relacionado ao meu livro está sob meu poder de decisão.
Recentemente, contratei os serviços de uma gráfica para imprimir uma tiragem de 2 mil exemplares (coloridos, o que quase dobra o custo unitário do livro) e fiquei aterrorizado com a possibilidade de acabar com dúzias de caixas de livros encalhadas no meu apartamento, mas felizmente neste próximo mês esgotaremos esta tiragem.
Os custos haviam sido altos, mas se pagaram com a venda de apenas 300 livros, ou seja, todos os outros 1700 exemplares vendidos foram lucro para o autor, ou seja, para mim, não para a editora nem para o livreiro.
E este modelo pode ser reproduzido para ficção?
Possivelmente, mesmo que eu ainda não tenho conseguido. Até o momento, na minha experiência pessoal, a repercussão e o sucesso do meu livro de não-ficção em comparação às minhas obras de ficção reproduziu, em menor escala, a dinâmica do mercado editorial. Quase todos os meus romances estão publicados independentemente, do mesmo modo que o meu guia de viagem, porém as tentativas de torná-los rentáveis não deram certo e, atualmente, todos eles estão disponíveis de graça na internet.
A não-ficção envolve a questão de credibilidade do autor, no entanto, isto não é tão fácil de se estabelecer para a ficção. Para saber se um autor duma obra de referência sabe do que está falando, basta investigar sua formação e de onde ele está falando, mas para se certificar se um autor de ficção possui competência, é preciso ler a obra inteira, às vezes, várias de suas obras, e este é um esforço que poucos leitores estão dispostos a empreender para um autor desconhecido.
Foi para criarmos um nome entre os leitores e consolidar-nos, que eu e alguns outros autores lusófonos nos reunimos para lançarmos a Revista SAMIZDAT, uma publicação literária independente através da qual temos apresentado várias caras novas da literatura em português, onde quer que estejam no Brasil, em Portugal e no resto do planeta. Lançamos recentemente a edição 32, que celebra a entrada no quinto ano de atividades e quase mil textos publicados.
Mesmo assim, precisamos conquistar leitor a leitor, num corpo a corpo (virtual) que tem se tornado cada vez mais essencial na carreira literária.
As dificuldades (e algumas soluções) da publicação independente
Assim, a publicação independente reflete exatamente o que ocorre na publicação comercial: não-ficção de autores com credibilidade costuma vender muito mais do que ficção; e ficção de autores desconhecidos tende a encalhar nas prateleiras, isto até estes autores atingirem determinado grau de notoriedade.
Perceba que não estamos realizando nenhum juízo de valor, como se publicação comercial fosse melhor do que a independente, ou vice-versa; estamos apenas falando em magnitude. Uma grande editora comercial tem acesso a canais de distribuição que o autor/editor independente não tem, como livrarias, bancas de jornais e revistas, supermercados, etc.
Além disto, a mídia costuma acolher com maior descrença obras independentes, principalmente porque por detrás duma editora comercial há uma equipe interessada em promover seus livros, assessores de imprensa e de marketing.
A dificuldade de distribuição é o calcanhar de Aquiles da publicação independente. Se a obra não chega ao leitor/comprador, é muito improvável que consiga atrair atenção para si.
É neste ponto que a internet acaba servindo como a maior aliada do autor autopublicado.
As editoras comerciais utilizam a internet de maneira pouco eficaz, por enquanto. Para estas editoras, a internet possui o papel simples e único de uma livraria virtual. Você, leitor, acessa o catálogo online da editora, procura seu livro de interesse e o compra, repetindo quase o mesmo procedimento que faria numa livraria física.
Mas o autor independente tem de fazer da internet não apenas a sua livraria, mas a sua vitrine. É através dela que ele pode vender seus livros, mas também é através dela que ele estabelecerá sua reputação como escritor e criará vínculos com seus leitores. O que eu percebo é que ainda há um certo menosprezo quanto à capacidade de um blog cativar leitores, mas já temos alguns exemplos de autores que se lançaram na internet para depois chegarem ao mercado editorial.
Já no meu caso, o grande problema é encontrar o caminho para me estabelecer como autor independente, sem a necessidade de considerar uma editora comercial como Meca literária.
“É possível consolidar uma carreira literária independentemente do mercado?”, é a pergunta que proponho, ainda sem ter muita certeza de qual é a resposta.
Chico Ferreira
7 de março de 2017 @ 20:40
Adorei o conteúdo. Me esclareceu muitas dúvidas. Gostaria de saber mais sobre diagramação. Tenho dois livros publicados, como estou sem dinheiro para publicar o terceiro, gostaria de partir para a auto publicação.
Sidney Guerra
12 de março de 2017 @ 18:59
olá Chico, mandei um email para você.
Abraço
Julia Castro Mendes
1 de abril de 2017 @ 21:11
Adorei o texto, Laura e Henry!
Paulo César de Mendonça
30 de agosto de 2017 @ 15:01
Oi, tenho um livro pronto “O Livro Que Dança” e estou escrevendo umoutro livro que mistura ficção e não ficção, documentário ou peça jornalística, tecnologia de ponta, o escambau, numa mistura bem atual como nosso tempo ,portanto gostaria de saber como publicar este novo livro na Internet, o nome do livro é “Ninguém precisa Saber”, e trata ao vivo da atual trajetória do presidente Trump, com suas marmeladas, sendo um livro interativo onde eu escrevo, depois do próprio Trump escrever, e onde os leitores poderão ir cada um escrevendo o que sente sobre o mesmo assunto ou episódio, que tal?
Paulo César de Mendonça – Nova Friburgo – RJ
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