Como ter bons personagens literários
8 perguntas para você checar se os seus personagens funcionam bem em sua história.
- Os personagens são suficientemente humanos em suas qualidades e defeitos para causar empatia nos leitores?
- Você evitou os clichês? Há características inesperadas para tornar os personagens menos previsíveis?
- Os personagens são consistentes o suficiente para que quem lê acredite no que eles fazem?
- Há preconceitos desnecessários à história?
- Todos os personagens são necessários para a história?
- Os seres descritos são bem definidos, diferentes uns dos outros e podem ser visualizados pelos leitores?
- Os detalhes profissionais, físicos e psicológicos citados são corretos?
- Há exemplos dos personagens em ação em lugar de listas de adjetivos?
A boa literatura se constrói em cima de bons personagens. Quando eles são consistentes, a sua história marca quem lê, desperta curiosidade, convence os leitores de sua realidade.
Quando são fracos, lá se vai o gancho que atrairia a atenção. Maus personagens provocam tédio.
Vamos então às explicações desta lista de perguntas essenciais para garantir que sua história seja povoada com seres interessantes.
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Os personagens são suficientemente humanos em suas qualidades e defeitos para causar empatia nos leitores?
Personagens podem ser pessoas e também animais, extraterrestres, fantasmas, criaturas inventadas ou objetos que você escolhe para serem sujeitos das ações que vai contar. Suas características fazem com que o leitor se identifique com eles e se preocupe com o que lhes vai acontecer.
Estes seres imaginários precisam portanto ter muita humanidade para causar empatia. Isso quer dizer defeitos e qualidades, sutilezas, conflitos.
É um bom ponto de partida tomar uma pessoa que se conheça para protagonizar os eventos ficcionais, pois aí você tem certeza de que aquela combinação específica de atributos físicos e morais que o personagem apresenta é verossímil. Você também pode usar grandes personagens literários como inspiração, mas tome o cuidado de lhes dar uma interpretação toda sua, ou o leitor vai preferir ler o Sherlock Holmes original.
Evite a todo custo personagens tão perfeitos e arrumadinhos que fique difícil acreditar que existam. Vovós de cabelos brancos que fazem bolinhos para os netos, têm sorrisos adoráveis e só dão conselhos sábios ficam melhor em desenhos animados do que em histórias escritas. Se a mesma avó tiver artrite e reclamar da vizinha mexeriqueira enquanto faz os tais bolinhos já será mais humana, tendo maior facilidade em conquistar o interesse dos leitores.
Nunca use, de modo algum, personagens televisivos. O livro é um meio muito diferente da televisão, não comportando o exagero e a superficialidade que lá funcionam com uma eficiência enganadora.
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Você evitou os clichês? Há características inesperadas para tornar os personagens menos previsíveis?
Evite não só pessoas que não existem como profissões tantas vezes repetidas que acabam tornando o personagem sem significado, como a secretária branca, dedicada e mais nova que o chefe (que tal um secretário mais velho?), a empregada negra e/ou nordestina bem-humorada ou cheia de sabedoria popular (que tal um faxineiro catarinense, loiro e burro?), o moço pobre e sofredor mas bem intencionado, o médico de meia-idade atencioso, a vagabunda que só pensa em sexo e a morena afogueada que só quer fazer seu namorado feliz.
Lembre-se de que o truque é fazer com que o leitor “encarne” o personagem, interesse-se por ele, queira saber mais a seu respeito, mesmo que se trate de algo como um fantasma ou um alienígena. Isso só é possível quando esta figura tem uma mistura humana de fraquezas e qualidades, e apresenta um comportamento pouco previsível.
Evidentemente, apenas obras muito densas conseguirão fazer de todos os seus personagens seres ricos e fascinantes, mas mesmo a ficção mais despretensiosa tem por obrigação surpreender, o que significa manter-se longe dos lugares-comuns ou pelo menos dar-lhes algum colorido inesperado, como apresentar a recepcionista loira como uma pessoa sarcástica e inteligente.
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Os personagens são consistentes o suficiente para que quem lê acredite no que eles fazem?
Os personagens precisam ter consistência interna e com a linha da história, e não devem apresentar detalhes irrelevantes ao que se está tentando contar.
Um pouco de estranhezas todos nós temos, mas fica difícil acreditar que uma mulher casada com um bancário há trinta anos de repente revele ter um passado de crimes e drogas. A menos que o autor explique ser o marido especialmente surdo para as falsidades da mulher ou ela ter sofrido uma lavagem cerebral, qualquer pessoa que conheça um casal junto há tanto tempo e o tipo de conversas que costuma ter não irá aceitar como possível uma enganação tão prolongada.
Tenha o cuidado de descrever loucuras, desequilíbrios psicológicos e doenças que de fato existam. Se você tem personagens ficcionais como lobisomens, defina se eles só aparecem mesmo na lua cheia e tente imaginá-los em detalhes, observando a coerência entre idade, educação, temperamento e comportamento.
Você precisa passar informações suficientes para que o leitor compreenda o que está acontecendo, ou seja, por que o fantasma assombra as pessoas daquela casa e o que a mocinha foi fazer ali. O tipo de pessoa que ela é, seu passado, suas aspirações têm de combinar com suas ações, para que o leitor não fique se perguntando a razão de uma pessoa inteligente não chamar a polícia em vez de querer resolver tudo sozinha.
No entanto, não explique demais, deixe que os leitores tirem conclusões por conta própria.
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Há preconceitos desnecessários à história?
É de bom tom não fazer uso de preconceitos desnecessários ao andamento da história.
Fica muito mais simpático se nem todos os negros forem serviçais ou marginais, as mulheres não ocuparem apenas posições secundárias, passivas ou sedutoras, os homens não forem todos bem-sucedidos, brancos e hipersexuados, as crianças não forem inocentes e idiotas, e se não houver menção negativa a qualquer etnia, religião ou orientação sexual.
Você evita assim alienar o leitor em potencial que pertença a alguma categoria habitualmente marginalizada e também aquele primeiro leitor crítico dentro da editora, que pode perfeitamente rejeitar o seu original por causa dos preconceitos que encontre ali registrados.
Por favor note a ressalva do “desnecessário” à história. Se você estiver tratando justamente de racismo, é natural que seus personagens expressem opiniões extremas e desagradáveis, e alguns deles se encaixem nos clichês esperados. Mas se tais opiniões e personagens não alterarem em nada o curso de sua história, não há porque fazer do joalheiro um judeu avarento ou do dono da tecelagem um turco trambiqueiro.
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Todos os personagens são necessários para a história?
Existe um ditado inglês – less is best – que se traduz como “quanto menos, melhor”, uma regra de ouro para quem edita o próprio texto.
Nossa vida é complexa e cheia de pessoas cuja influência nem sempre entendemos, mas uma história de ficção por princípio seleciona o que é mais marcante para extrair alguma espécie de sentido dos acontecimentos. Por conseguinte, evite introduzir trinta personagens com nomes, sobrenomes e apelidos diversos, mesmo que sua família seja exatamente assim e você tenha lido os romances de Leon Tolstoi.
Tenho certeza de que um editor hesitaria bastante antes de publicar as mais de mil páginas (e as duas enormes famílias de personagens) de Guerra e paz hoje em dia, especialmente se o autor não tivesse tido algum sucesso anterior.
Limite-se ao que tem algum uso para a história e combina com o efeito que você quer causar. Se o porteiro (de carne e osso) de seu prédio é um homem dado a observações perspicazes e você está contando uma lenda ambientada no mar, só o utilize como inspiração para o porteiro do castelo de Poseidon se ele de alguma maneira influir sobre os acontecimentos, como notar que as nereidas estão deprimidas e fazer com que o rei dos mares tenha alguma reação a respeito. Caso contrário, não lhe dê voz ou mesmo tire-o da história, por mais que goste dele como pessoa e se divirta em escrever sobre ele.
Muitas vezes, escritores fazem uso de pessoas mais como cenário do que como personagens em suas histórias. Não há problema algum em dar a cor do ambiente pelas pessoas que ali estão, mas é melhor não se estender demais sobre elas se sua contribuição à trama é passiva, de modo a não confundir o leitor com uma multidão de vozes.
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Os seres descritos são bem definidos, diferentes uns dos outros e podem ser visualizados pelos leitores?
Se você quer falar sobre os três amantes cafajestes e sensuais que teve, faz mais sentido fundi-los em um único personagem que provoca a mesma gama de emoções em sua protagonista do que introduzir três pessoas semelhantes e de função idêntica, a menos que a quantidade de amantes seja um fato em si importante.
Personagens funcionam melhor e tornam-se mais memoráveis quando são diferentes uns dos outros. Evite grupos de personagens muito parecidos e procure criar confrontos entre os seres diferentes de sua história.
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Os detalhes profissionais, físicos e psicológicos citados são corretos?
Tenha respeito pelo leitor, que pode bem conhecer a área e o tipo de pessoa que você descreve. Não fale de profissionais que você não conheça bem ou que não tenha pesquisado a fundo.
Evite clichês!
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Há exemplos dos personagens em ação em lugar de listas de adjetivos?
O cuidado em descrever as pessoas de sua história através do que fazem, em vez de por fieiras de adjetivos, estende aos personagens a imediatez que o cenário também estará criando. “Moreno, alto, bonito e sensual” funciona em música, mas em literatura é melhor fazer os acontecimentos demonstrarem o tipo de pessoa de que se está falando, como deixar que o novo professor de física cause suspiros em Sônia ao entrar na sala e conquiste a admiração por seu porte até mesmo de seus alunos jogadores de basquete.
Você tem muito mais chances de despertar interesse ao fornecer cenas detalhadas, que revelem os personagens envolvidos, do que se usar um resumo abstrato que poderia ser aplicado a muitas pessoas diferentes. Além disso, pode ser que o seu leitor não concorde com a avaliação que você faz de seus personagens e acabe decidindo ser o Sérgio muito menos simpático do que você gostaria.
Respeite essa liberdade de interpretação. Uma vez lida, sua obra não é mais exclusivamente sua mas complementada pela imaginação de quem a lê.
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Gislaine Barros
23 de janeiro de 2017 @ 16:12
Como sempre, ótimas dicas. Parabéns, Laura, sou sua fã!
Rogério Celso Santana Costa.
25 de janeiro de 2017 @ 11:33
Prezada Laura.Saudações.
Já tenho o meu livro finalizado;Falta a Diagramação.Tenho os esboços da Capa,Contra-Capa,”Orelhas”Agradecimentos;Dedicatória;Sumário.
Vou ser sincero,com a Senhora;Infelizmente estou desempregado,e sem recursos financeiros,até o momento presente.
Estou com;Boas Propostas de Trabalho,mais ainda,estou fora do Mercado de Trabalho.Estou sobrevivendo,graças à alguns.free lances,que estou fazendo.
Irei Publicar o Meu Primeiro Livro,e precisarei muito dos Senhores e Equipe.
Atenciosamente:
Rogério Costa.
Laura Bacellar
1 de fevereiro de 2017 @ 13:14
Rogério,
quem quer publicar sem gastar nada pode se lançar digitalmente, ou seja, em plataformas como o wattpad ou convertendo sua obra para ebook e colocando a venda pela amazon ou similares. Tem jeito para tudo…
boa sorte
Claudia
25 de outubro de 2017 @ 14:27
Eu quero muito escrever, tenho 35 poesias, e boas ideias para escrever romances mas preciso saber quem revisa os textos.
Laura Bacellar
31 de outubro de 2017 @ 18:34
Claudia,
existem muitos revisores por aí, faça uma busca pela internet que vc encontra. É um serviço pago.
Simone Almeida
25 de março de 2021 @ 22:54
Boa Noite Laura !
Minha avó fez 100 anos agora em Janeiro e como é bastante lucida e comunicativa mencionou que gostaria de escrever um livro sobre sua vida, na verdade gostaria que eu escrevesse esse livro . Eu sou sua primeira neta e nunca escrevi um livro na minha vida portanto estou meio desesperada, estou colhendo sua historia gravando no meu celular.
Gostaria de uma sugestão, por onde posso começar, se tem algum livro que posso me basear ou livros não faço a menor ideia como atender ao desejo da minha avó. Agradeço sua atenção e aguardo seu retorno se possível. Obrigada . Simone
Laura Bacellar
5 de abril de 2021 @ 16:53
Leia biografias para ter ideias e eis aqui algumas dicas
https://www.escrevaseulivro.com.br/como-escrever-uma-biografia/
Sandra Ribeiro
18 de abril de 2022 @ 19:05
Excelentes dicas. Para escritores iniciantes será difícil lembrar de todas e fugir dos ¨vícos¨ próprios adquiridos ao longo de anos, mas o exercício da escrita é justamente esse. Obrigada!